Esta semana conheci 3 senhoras maravilhosas.
Foi o acaso que quis que eu fizesse parte da vida delas, e elas da minha.
3 senhoras, na mesma faixa etária, acima dos 80 anos de idade, foram o ponto alto da minha semana de trabalho.
Mrs S.
A primeira senhora que conheci, tem 92 anos e, até à seis meses atrás, conduzia e era totalmente independente.
Neste momento, depois de um AVC que lhe roubou a independência, e de há alguns meses de reabilitação, está acamada, mas consegue comer pela mão dela, orgulhosamente.
Perguntei-lhe quem vivia com ela. Gosto de o fazer.
Gosto de saber mais sobre as pessoas de quem cuido para me poder ajustar às suas necessidades, conhecer os seus pontos fortes e criar uma relação de confiança e de partilha.
Sim, porque também partilho quando me perguntam se sou casada, se tenho filhos.
Acho justo. É um dar e receber, e só assim faz sentido.
Disse-me que os filhos moram longe mas tem uma rapariga que mora com ela e cuida dela.
Perguntei-lhe se a rapariga era sua amiga, como quem quer saber se a tratava bem. Disse-me que ela era muito boa no que fazia, e quando eu vou para aclamar, a senhora continua e diz-me “mas ela nunca fala para mim e deixa-me horas sozinha”… o meu coração parece que saltou uma batida.
A dor nos olhos daquela senhora, que até há uns meses ia fazer yoga com as amigas e passear o cão.
Essa mesma senhora tinha perdido tudo.
A dignidade. O amor próprio.
Estava só.
Questionei se há tinha falado com os filhos sobre essa situação. Disse-me que sim e que a resposta deles foi simplesmente “Ela é muito competente no que faz, vai ser muito difícil arranjar outra”.
Será que o exterior é mais importante que o interior?
Será que será mais importante a senhora tomar um banho todos os dias do que ter uma conversa todos os dias?
Seria assim tão difícil encontrar alguém que aprendesse a cuidar do corpo dessa senhora?
Eu aprendi! E só a conheci 1 dia. Só precisei de lhe dizer “Eu sou a Marisa, e estou aqui para a ajudar. Diga-me qual a sua rotina e vamos as duas conseguir.”
Naquela mente, mais ninguém consegue tomar conta dela a não ser “a rapariga”.
Ela estava aterrorizada no olhar quando cheguei ao pé dela pela primeira vez.
Teve medo de me dizer que não queria sentar-se na cadeira.
Quando a questionei se queria sentar-se na cadeia depois do pequeno-almoço, começou a chorar, em jeito de desabafo, e disse-me, a muito medo, que normalmente só se sentava para almoçar e que preferia ficar na cama até lá.
Perguntei-lhe se tinhas amigos que a iam visitar.
Disse-me que desde que teve o AVC, as pessoas afastaram-se pois não sabem como lidar com o seu estado.
Sentem-se embaraçados por ela estar numa cama. Deixaram-na só.
A senhora que ia à cabeleireira todas as semanas e não saía de casa sem maquilhagem, tinha perdido a independência e os amigos.
Sugeri que talvez existisse alguém na comunidade que fizesse visitas.
Disse-me que era Judia e que já tinha contactado a Sinagoga. Estava à espera.
Como esta Mrs S, existirão muitas.
Muitas em casas, lares, rodeadas de pessoas, mas tão sós.
Mrs G
Alguns dias depois conheci a Mrs G. 87 anos. Não o aparentava.
Cabelo branco bem arranjado. Poucas rugas. Unhas compridas bem pintadas de bordeaux.
Independente. Pratica golfe.
Já foi a Portugal muitas vezes e até teve um namorado português aos 17 anos, que conheceu em Malta, numa viagem com uma amiga. Namoraram algum tempo por carta, mas depois a chama apagou-se.
Vários anos depois, em visita a Lisboa com o marido, reencontrou-o por acaso, naquela que era a loja dos pais dele, “uma grande superfície” diz-me ela. Não teve coragem de se aproximar. Soltou um sorriso e disse-me “Ele estava careca e barrigudo e o meu marido ao meu lado todo elegante!”
Soltamos as duas uma gargalhada, como que aliviadas por ela aparentemente ter feito a escolha acertada.
Foi submetida a um pequeno procedimento e foi para casa. Feliz, vai continuar a aproveitar os anos que lhe faltam.
Mrs J
E ontem conheci a Mrs J. Na verdade não sei o nome dela. Não perguntei pois o mais certo seria eu não o perceber.
A Mrs J não foi minha doente. Estava alojada no mesmo hostel onde eu fico sempre que vou trabalhar a Londres.
Sentei-me ao lado dela para jantar.
Perguntou-se se eu era sueca. Sorri e disse que era portuguesa.
Sorriu de volta e disse-me que não tinha sotaque nem aspeto de portuguesa (estes 179cm e cabelo alourado enganam muita gente!).
Perguntei-lhe de onde era, como cortesia.
Disse-me que era do Japão e que quando tinha 20 anos trabalhou em Londres. Diz-me que veio ver, pela última vez, o sítio onde morou e trabalhou nos anos 60. Trabalhava para um banco e dava aulas de japonês. Morava num apartamento que na altura estava avaliado em £100 000, diz que agora vale £3 milhões!
Não quis perguntar se estava a viajar sozinha. Pareceu-me que poderia parecer estranho.
Acabamos de jantar e desejei-lhe boas férias, disse-lhe que ia trabalhar.
Que sou Enfermeira.